Julino Soares
Alerta: O risco do uso de formulações fitoterápicas em associação
Segundo noticiado (1,2), o arquiteto Lucio Leal, mestre da Associação Tai Chi Pai Lin, em São Paulo, faleceu aos 63 anos, em janeiro de 2012, de hepatite medicamentosa, após usar uma fórmula fitoterápica contendo 25 plantas medicinais. A fórmula teve indicação de uso por 45 dias, porém, em duas semanas, Lucio começou a passar mal, apresentando, dentre outros sintomas, taquicardia, insônia e perda de apetite. A notícia não informa a procedência da formulação, cita apenas que dentre os componentes havia o extrato da planta kava-kava (Piper methysticum). Desta forma, sabemos que não se trata de um produto industrializado, pois essa associação não estaria autorizada no Brasil. Segundo as informações (1,2), nos últimos anos, a família tentou transformar a sua morte num alerta de saúde pública. O médico que prescreveu a formulação foi denunciado no Conselho Regional de Medicina (Cremesp), o qual considerou que houve infração dos artigos 1, 34 e 36 do Código de Ética Médica, que se referem a imperícia, imprudência e negligência. A penalidade imposta foi a de censura pública que ocorreu em dezembro de 2018.

O caso chama a atenção para o uso de plantas medicinais em associação e de formulação, possivelmente, não regulamentada. O médico, como prescritor, tem autorização legal para prescrever fitoterápicos, porém, qualquer prescrição deve obrigatoriamente ser baseada em princípios científicos.
Cada planta medicinal contém um largo conjunto de várias substâncias ativas, sendo por si só, um conjunto complexo. Assim, associar 25 plantas medicinais precisa estar bem embasado em evidências de que a formulação final é segura e eficaz. Os prescritores precisam considerar que o uso concomitante de fitoterápicos também pode interferir no efeito esperado. Interações medicamentosas adversas entre fitoterápicos podem resultar em um aumento ou diminuição da resposta terapêutica, pela regulação dos mecanismos farmacocinéticos (absorção, distribuição, biotransformação e excreção) e interações farmacodinâmicas (efeito sinérgico, aditivo ou antagônico). A previsibilidade desses efeitos pode ser inviável no uso concomitante de dois ou mais medicamentos. Logo, os prescritores precisam realizar um atento monitoramento desses pacientes.
Foi divulgada apenas uma planta da composição, que seria a kava kava (Piper methysticum), a qual, dependendo do método de extração, ou baixa qualidade da matéria prima pode ter um alto grau de hepatotoxicidade, já havendo sido proibida em diversos países, dentre eles, os europeus (3) . Devido a esta toxicidade, fitoterápicos a base da planta no Brasil podem ser vendidos apenas sob prescrição médica, desde 2002, devendo ostentar faixa vermelha na embalagem, segundo a RE n. 356/2002 da Anvisa (4).

Assim, o uso de plantas medicinais, principalmente em associação, deve estar cientificamente embasado, de modo que o produto possa oferecer uma relação risco-benefício apropriada ao usuário. É importante que o usuário seja bem orientado e, em caso do aparecimento de eventos adversos, que suspenda imediatamente o uso do produto e procure informações com os profissionais de saúde ou centro de informações sobre plantas medicinais ou toxicologia, de modo que o resultado não seja o sofrimento e a perda de uma vida humana. A população e os profissionais de saúde contam com o Disque-Intoxicação, criado pela Anvisa, que atende pelo número 0800-722-6001. A ligação é gratuita e o usuário é atendido por uma das 36 unidades da Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (Renaciat).
Referências
1. Segatto, C. (2019). Sete anos após a morte do pai de Luzia devido a fitoterápico, o médico é punido. Disponível em: https://cristianesegatto.blogosfera.uol.com.br/2019/11/27/seteanos-depois-da-morte-do-pai-de-luzia-o-medico-foi-punidopelo-cremesp/?cmpid=copiaecola. Acesso em 27 maio 2020.
2. Carta Aberta da Associação Tai Chi Pai Lin - Espaço Luz. Disponível em: https://www.facebook.com/espacoluztaichipailin/posts/142251 3461220654/. Acesso em 27 maio 2020.
3. Kava hepatotoxicity in traditional and modern use: the presumed Pacific kava paradox hypothesis revisited. Br J Clin Pharmacol. v.73, p. 170–174 4. Anvisa – Resolução - RE 356/2002. Disponível em: http://oads.org.br/leis/1491.pdf. Acesso em 27 maio 2020.
Fonte: Ana Cecília; Julino Soares. Planfavi - SISTEMA DE FARMACOVIGILÂNCIA EM PLANTAS MEDICINAIS. CEBRID, UNIFESP. ISSN: 2596-1918 Nº 54 abril/junho 2020. Disponível em: https://www.cebrid.com.br/boletins/planfavi/planfavi-edicoes-anteriores/